Análise "hertzbergeriana" portaria EAD
A construção do espaço envolve questões como seu uso, funcionalidade e forma, as quais demarcam locais de caráter público e privado. Parte do hall da Escola de Arquitetura, a portaria pertence a um espaço público e é, portanto, legalmente acessível a todos. No entanto, nesse caso, a legislação é superada pela convenção: não nos sentimos confortável em adentrar a portaria do mesmo modo como adentramos o DA, o banheiro ou o próprio hall de entrada. Aqui, público e privado, como afirmado em “Lições de Arquitetura”, de Herman Hertzberger, não são suficientes para determinar grau de acesso ou de apropriação. Mesmo estando todos nas mesmas dependências, em comparação, o DA, o banheiro e o hall são muito mais públicos do que a portaria.
Essa sensação de acesso restrito surge naturalmente, antes que devamos conscientemente avaliar o espaço como público ou privado. Tal noção instantânea se estabelece porque já conhecemos uma portaria, sua aparência e como deve ser nossa conduta em relação a ela, e é reforçada quando percebemos que a porta costuma ser mantida fechada, além de ser maciça, sem painéis transparentes, e que existe uma clara separação entre interior e exterior, com apenas uma abertura para vigília e comunicação, demarcada por um balcão.
Por outro lado, para os porteiros, que passam muitas horas de seu dia ali, é natural que aconteça certa apropriação do espaço, que talvez se exprima na forma como organizam seus pertences no espaço, ou se movem, adicionam ou retiram itens. Eles não são donos do espaço, mas, de certa forma, são mais ligados e responsáveis pelo espaço do que nós, que só observamos passageiramente. Trata-se de mais uma brecha na convenção “público e privado”, muito evidenciada por Hertzberger, uma vez que, mesmo que o espaço não tenha sido pensado para ser apropriado, remanejado, o é, mesmo que timidamente.
Outra questão abordada por Hertzberger é a polivalência, quase ou totalmente inexistente nesse espaço de portaria, que foi claramente pensado e projetado para ser portaria. Há, portanto, uma articulação fechada, tanto no sentido figurado, já que o espaço como está não permite variação de significações, quanto no literal, que se expressa na clara inacessibilidade para quem é de fora. Entra, aqui, um questionamento sobre a necessidade de abertura, espaço para ressignificação de um lugar que guarda chaves, provavelmente acompanha câmeras de segurança. Existe a necessidade de tornar esse espaço realmente público, acessível? Indo além: será que, se isso acontecesse, a portaria cumpriria suas funções com sucesso?
Ademais, é importante ressaltar a posição da portaria em relação ao hall, a qual, assim como destaca Hertzberger, tem impacto direto na forma como quem a habita vê e se sente em relação a quem entra na EAD, e vice-versa. Apesar de não estar fisicamente mais alta, o espaço pode gerar uma sensação no visitante de estar sendo vigiado, às vezes, até mesmo constrangido. Não imaginamos, entretanto, que esse seja um sentimento que necessariamente se faz presente, mas que, de fato, é comum de ser gerado por portarias em geral.
Agora, faremos uma análise da portaria durante a troca de porteiros, que acontece diariamente durante a mudança de turnos, sob a ótica dos tópicos abordados em “Lições de Arquitetura”.
PORTARIA DURANTE A TROCA DE PORTEIROS
A portaria é um espaço compartilhado por, pelo menos, três porteiros, já que a EAD fica aberta 24 horas por dia. Sendo assim, mesmo que haja uma apropriação do espaço, ele não se torna totalmente pessoal, deve haver, senão inalteração, pelo menos, concordância entre as partes usuárias. Além disso, como já mencionado, é certo que a portaria não foi projetada para ter polivalência, nem pensada para permitir uma abertura de remodelação e ressignificação por parte do usuário. Com a troca de porteiros, portanto, fica clara essa limitação à apropriação, à personalização e a uma interpretação individual, tão valorizadas por Hertzberger. No livro, um exemplo muito citado é a Escola Montessori, cujas salas de aulas são completamente adaptadas e mantidas pelos estudantes, de forma que outras pessoas não modificam o espaço. Isso permite que as crianças se sintam seguras para agir, na certeza de que, no final das contas, tudo ainda estará ali.
Uma das funções da portaria é a de fazer a mediação entre pessoas, que chegam com pedidos de entrega ou para recolher documentos, chaves, etc. Fica em evidência, então, o balcão, o responsável pelo intervalo (termo utilizado no livro) entre hall e portaria, que faz a transição entre exterior e interior, que garante acessibilidade e comunicação. Apesar dessa gradação, não se pode dizer, certamente, que a existe uma integração entre os dois espaços: mesmo que não haja diferenciação de material entre o fim da parede do hall e o início da abertura para o balcão, a mudança é abrupta e absolutamente perceptível, tanto que atrai o olhar naturalmente. Isso se deve, provavelmente, ao fato de que só há um buraco na parede, à altura do tronco. É um rompimento que talvez não agradasse a Hertzberger.
Ademais, existe uma diversidade de experiências dependendo do turno que cada porteiro cobre: enquanto os que trabalham durante a noite não presenciam muito movimento, os que trabalham à tarde, no encontro entre os cursos diurnos noturnos, presenciam um intenso fluxo de pessoas. É o hall proporcionando à portaria maior ou menor contato, imprimindo em cada porteiro uma sensação diferente do lugar. Enquanto o funcionário noturno descreveria a EAD como um lugar silencioso e calmo, o diurno o interpretaria como um espaço de movimentação, freneticidade, e essas diferenças também poderiam gerar diversificação de posturas, ações e gostos, conforme exposto no item B2, Forma e Interpretação.
A portaria é um dos exemplos que melhor ilustram a expressividade e a magnitude de espaços comuns, que, como vimos, podem ser limitadores e opressivos, mas também polo de atração e comunicação entre pessoas.